"Não teve um dia que eu não fui xingado", desabafa Caio, após 4º lugar histórico

Caio Bonfim se redime de Londres e alcança 4º lugar histórico na marcha / Foto: Ryan Pierse / Getty Images

Rio de Janeiro - Um homem que passa rebolando, no meio da rua, no Brasil, não escapa de brincadeiras homofóbicas. Mesmo que esse rebolado seja parte de um esporte de alto nível, disputado nas Olimpíadas, e que viu, nesta sexta-feira, o maior brasileiro da sua história: Caio Bonfim. 

Radiante pelo quarto lugar totalmente inédito alcançado na marcha olímpica 20km, no Pontal, no Rio, Caio respondeu a algumas perguntas da imprensa na zona mista, após cravar o seu melhor tempo da vida (1:19:42s contra 1:20:20s que tinha antes).

De Brasília, o marchador se emocionou muito ao ser perguntado pelo Esporte Alternativo sobre o apoio de sua mãe e seu pai nessa conquista histórica, e desabafou sobre os xingamentos que ouviu e ouve, desde sempre, enquanto treina na modalidade. 

Marcha atlética 20km, nesta sexta, no Pontal / Foto: Ryan Pierse / Getty Images

"Não teve nenhum dia que eu saí na rua, que eu não fui xingado, por fazer a marcha atlética. Vira homem, para de rebolar, viado, vai para casa, trabalhar, vagabundo. Todo dia. Não teve nenhum dia. Mas não teve nenhum dia que eu não cheguei em casa, e eles me apoiaram. Paitrocínio mesmo, dinheiro, investimento, choro. E falar deles não tem como se emocionar, porque eles são tudo, são minha base, eu represento eles na pista, porque a equipe é muito maior do que só eu, não é um esporte individual", disse, com os olhos marejados, Caio. 

O atleta ressaltou o quão responsáveis são seus pais por esse resultado, e deixou claro que não teve outro tipo de apoio. "Eu acho que eles estão orgulhosos de poder levar. São eles que me trouxeram aqui. Não foi meu país, não foi meu patrocinador, porque ninguém apoiou direito, foi eles. Com suor, vendendo coisas, dedicação, então só tenho que agradecer mesmo. Falar dos meus pais é isso, meu time, minha equipe", emenda. 

Na pista, hoje, no circuito de dois quilômetros montado na praia do Pontal, no Recreio, os xingamentos deram lugar aos gritos de apoio da torcida, que compareceu em bom peso e o ajudou num gás final para o quarto lugar. 

"Eu dei tudo, fiz a melhor volta da minha vida, então quando você consegue dar tudo, você sai com o copo cheio, cheio de alegria, cheio de esperança. É claro que o capitalismo vende a medalha, mas ser o quarto melhor do mundo numa prova que não é tão popular no Brasil é maravilhoso", destaca Caio. 
 
Se alguém pode lamentar o quarto lugar por estar tão próximo do pódio e não ter conseguido, o brasileiro enxerga de uma outra forma. Valoriza, como deve ser, e critica a vitória a todo custo, quando um resultado como este, na verdade, pode valer mais do que uma medalha. 
 
Marcha atlética 20km, nesta sexta, no Pontal / Foto: Ryan Pierse / Getty Images

"Porque o quarto? É igual você tirar 9,5 ou 10, qual a diferença? Onde você errou? É totalmente subjetivo. Quem disse que eu não me dediquei mais do que o primeiro ou o segundo? Então o quarto lugar para mim representa uma medalha", continua o marchador.

Ainda desconhecida do grande público, a marcha atlética faz parte do calendário do atletismo e foi a primeira prova do esporte a dar medalha na Rio 2016 (os chineses Zhen Wang e Zelin Cai ficaram com ouro e prata, enquanto Dane Bird-Smith, da Austrália, tirou o bronze de Caio por apenas cinco segundos à frente). 
 
"A marcha é um esporte lindo, o mais charmoso do Brasil, do atletismo, agora claro é um esporte que não é popular neste país. Eu joguei futebol por dez ano e eu digo que troquei o esporte mais popular pelo menos popular do Brasil. Mas isso é o legal, você descobrir algo novo, minha mãe descobriu, levou para gente, fui para uma Olimpíada e hoje sou quarto", conta Caio, que ainda parecia não acreditar no resultado. 
 
Ele, que acabou tendo uma experiência difícil em Londres 2012, quando precisou abandonar a prova passando muito mal, pode agora ter no Rio uma redenção. "A emoção faz um quilômetro, a razão faz vinte. Londres eu era um garoto, o Brasil colocou um índice muito forte, eu fui o único do Brasil a ir na marcha, então lá era uma experiência, eu precisava estar lá para ter bagagem para aqui, para esse dia. Hoje foi um dia em que eu juntei todas as minhas experiências para tudo",  afirma. 

Brasileiro Baggio precisou abandonar a prova / Foto: Ryan Pierse / Getty Images

Caio espera inspirar as pessoas, as crianças, a conhecerem novas modalidades, como a marcha. "É uma oportunidade de inspirar as pessoas, eu tenho uma história fantástica, de popularizar esse esporte. Um garoto da cidade satélite de Brasília em quarto é legal. A missão é popularizar, ser feliz e competente. As pessoas devem ter se emocionado em casa, acho que a missão foi dada".
 
Sexto lugar no mundial do ano passado, o marchador tem se mantido numa crescente e está na melhor fase da sua carreira. Na sexta-feira da próxima semana, Caio ainda disputa a marcha atlética 50km, distância que percorreu apenas uma vez, justamente para atingir o índice olímpico. 
 
"Lembrem de mim na próxima, fui pouco lembrado nessa", alfineta, no final, com certa razão, já que, além do Esporte Alternativo, poucos veículos estiveram na prova desde o início. Os principais só mandaram jornalistas para o Pontal quando o brasileiro começou a despontar entre os líderes. 
 
A prova contou com outros dois brasileiros: Moacir Zimmermann, que terminou em último, na 63ª posição, com 1:33:58, e Jose Alessandro Baggio, que não conseguiu terminar.

Veja Também: 

 

 
 
 
 
 

Eventos esportivos / Entidades Mundiais

Curta - EA no Facebook